V.
19 – Paulo diz: “Porque sei que disto
me resultará salvação, pela vossa oração e pelo socorro do Espírito de Jesus
Cristo”. Por meio das orações dos santos e da ajuda
do Espírito Santo, ele estava confiante de que alcançaria “salvação”.
Ele não poderia estar se referindo à salvação de sua alma da pena de seus
pecados (At 16:31; 2 Tm 1:9; 1 Pe 1:9, etc.), porque ele já havia sido salvo
eternamente. Além disso, a salvação de nossas almas não depende das orações dos santos ou de alguma
obra do Espírito a ser feita para nós no futuro – é uma possessão presente do crente.
A
que salvação Paulo poderia estar se referindo aqui? Para responder, precisamos
entender que a salvação é um termo amplo e abrangente na Escritura que inclui muitos
aspectos de livramento – desde a salvação da pena de nossos pecados até a nossa
glorificação, quando o Senhor vier. É um erro, portanto, pensar que quando as
palavras “salvo” ou “salvação” aparecem na Escritura,
estejam sempre se referindo à libertação do juízo eterno conforme anunciado no
evangelho. Como há muitos aspectos da salvação, é igualmente verdade dizer: “Eu
fui salvo, estou sendo salvo e serei salvo”. W. Kelly comentou: “Se você tentar
supor que existe apenas um significado de salvação no Novo Testamento, você
está realmente em dificuldade; e descobrirá que não há possibilidade de conciliar
essas passagens. De fato, nada é mais certo
e fácil de determinar, de que a salvação no Novo Testamento é mais
frequentemente citada como um processo ainda incompleto, não terminado, do que algo
totalmente finalizado” (Lectures on Philippians, pág. 43). Este
comentário do Sr. Kelly é significativo. Quer dizer que quando nos deparamos
com as palavras “salvo” e “salvação” no Novo Testamento,
na maioria das vezes, não está se referindo à salvação de nossas
almas da pena de nossos pecados! Tal é o caso em toda a epístola aos Filipenses.
Como
Paulo já tinha a alma salva por ter recebido a Cristo como seu Salvador (At 9),
estava obviamente se referindo aqui a um aspecto diferente da salvação.
Comentando sobre este versículo, W. Potter disse: “Então temos a palavra ‘salvação’. Nós a temos várias vezes
nesta epístola. Está sempre em conexão com nossas circunstâncias e não com
nossas almas” (Gathering up the Fragments,
pág. 155). O contexto sugere que “disto”
no versículo 19 se refere à contenda da carne daqueles que se opunham a Paulo,
mencionada nos versículos anteriores. Ele esperava ser salvo em um sentido
prático dos desígnios malignos deles para difamá-lo e feri-lo, e contava com as
orações dos santos e o poder do Espírito para esse livramento. Assim, a
salvação que tinha diante dele era o livramento completo de tudo o que pudesse
encontrar na vida que impedisse que Cristo fosse engrandecido em seu corpo.
Alguns pensaram que a “salvação” da qual Paulo estava falando
era sua libertação do cativeiro. Mas não poderia ser assim porque ele fala de
salvação como algo que certamente
obteria, ao passo que nos próximos versículos ele fala de sua libertação como
sendo algo do qual estava incerto.
Havia uma possibilidade muito real de ele morrer como um mártir nas mãos dos romanos.
Além disso, no estado de alma em que Paulo é visto nesta epístola, seria fora
de seu feitio querer uma mudança em suas circunstâncias. Ao longo da epístola, ele é visto em um estado
de contentamento sobre o que Deus havia permitido em sua vida (cap. 4:11).
V.
20 – Essa “salvação” prática
incluiria a vitória sobre a tentativa do inimigo de causar em Paulo a perda e
fracasso da fé quando testada. Por isso, ele acrescenta: “Segundo
a minha intensa expectação e esperança, de que em nada serei confundido” Teria sido um grande triunfo para Satanás se
conseguisse que o maior defensor do evangelho Cristão se rendesse quando viesse seu teste final diante
do tribunal romano. Por isso, a expectativa sincera e a esperança de Paulo eram
que, quando esse teste viesse, ele teria a graça de não renunciar a Cristo. E
que, se isso significasse ser morto por seu testemunho de Cristo, morreria
fielmente para a glória de Deus como um mártir justo. Estêvão (o primeiro
mártir Cristão), cujo testemunho inabalável Paulo havia testemunhado em
primeira mão, foi seu grande exemplo (At 7). Se ele se recuasse naquele momento
crucial, certamente ficaria “envergonhado”
(JND) no dia vindouro de manifestação, quando os resultados de nossas vidas
serão expostos.
Ele
conclui dizendo: “com toda a confiança,
Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela
vida, seja pela morte”. Assim ele desejou, como Deus lhe deu a graça,
continuar até o fim de sua vida com um testemunho ousado e firme por Cristo.
Quer fosse libertado ou morresse como um mártir realmente não importava para
ele. O que importava, e com o que se preocupava, era que Cristo fosse “engrandecido” em seu corpo.
Engrandecer Cristo “pela vida” é
fazer com que Ele seja apreciado e louvado pelos outros por meio do
nosso testemunho d’Ele em nossa vida. Engrandecer Cristo “pela morte” é fazer com que Ele seja apreciado e
louvado por outros, permanecendo firmes em nossa confissão de fé e não O
renegando quando ameaçados com a espada. As pessoas que testemunharem tal
confissão verão que Cristo é verdadeiramente precioso para nós (1 Pe 2:7) –
suficientemente precioso mesmo para morrermos por Ele! Este testemunho, sob o poder
do Espírito Santo, converterá pecadores a Cristo porque eles desejarão o que
temos.
V.
21 – Paulo então declara o grande princípio de sua existência: “Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é
ganho”. Ele não viveu por dinheiro, fama ou prazer; essas coisas não eram seu
objetivo. Ele tinha apenas uma ambição – que Cristo fosse engrandecido em seu
corpo quer fosse pela vida ou pela morte. Ao falar da vida e da morte dessa
maneira, vemos que Paulo aprendeu a ver as coisas sob a perspectiva de Deus. Ele
entendeu que o que pertencia à glória de Deus em Cristo era a coisa importante
na vida. O que o preocupava não era o que seria melhor para Paulo, mas o que
seria melhor para os interesses de Cristo – isso era o que importava para ele.
Vemos nisso a absoluta ausência de egocentrismo. Ele era um homem que havia
colocado um fim em si mesmo. O “eu” e suas ambições egoístas haviam sido
julgados e estavam fora de cena (cap. 3:4-8), e ele estava feliz por isso! Com
o ego fora do caminho, ele viu as coisas na vida claramente – tudo deve estar
centrado em Cristo. Que estado
maravilhoso de se alcançar na experiência Cristã! Vamos nos lembrar de que isso
é Cristianismo normal.
Afirmar
que a morte para um Cristão é um “ganho”
prova que a doutrina do “sono da alma”, ensinada em alguns círculos, não
poderia estar correta. É dito que as almas e os espíritos do falecido entram
imediatamente num estado de inconsciência, no qual não sabem nem sentem nada.
Jó 14:21, Salmo 115:17 e Eclesiastes 9:5 são usados erroneamente para sustentar
essa falsa ideia. (Essas Escrituras falam dos mortos não estando conscientes
das coisas que acontecem na Terra depois de morrerem, simplesmente porque eles
não estão aqui para considerá-las; não se referem a um estado de
inconsciência) Se um estado de inconsciência fosse a porção dos mortos, então a
morte não poderia ser chamada de ganho. Paulo, por exemplo, vivia em feliz
comunhão com o Senhor; se a morte o levasse, e ele passasse para um estado de
inconsciência, isso lhe seria uma grande perda. Ele perderia seu feliz gozo da
comunhão com o Senhor! Muito pelo contrário, Paulo diz que a morte leva o
crente a um novo patamar de gozo da comunhão com o Senhor, do qual ele diz ser “ainda muito melhor” do que qualquer
coisa que pudesse experimentar enquanto estava aqui na Terra em seu corpo (v.
23).
Vs.
22-23 – Paulo então volta a falar de seu futuro. Como já mencionado, ele
enfrentou dois desfechos – ser libertado do cativeiro ou morrer como mártir
pelas mãos dos romanos. Ele diz: “Mas,
se o viver na carne me der fruto da minha obra, não sei então o que deva
escolher. Mas
de ambos os lados estou em
aperto [apertado
entre dois], tendo desejo de partir,
e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor”.
(Tradução de W. Kelly). Assim, Paulo estava em meio a um dilema; ele queria as
duas coisas. Mas estando em tal estado de abnegação, ele estava sem uma decisão
no assunto, e assim se contentou em deixar a escolha para o Senhor. Sua vida
podia ser resumida como tendo sido cheia do serviço do Senhor, e a morte era
simplesmente aquilo que o levaria a um desfrutar mais pleno do Senhor.
Permanecer vivo significava viver para
Cristo, morrer significava estar com
Cristo.
Há
quatro passagens principais no Novo Testamento que se referem ao estado feliz
dos crentes que partiram. (Ver Collected
Writings of J. N. Darby, vol. 2, pág. 293). Esses são:
- Lucas 23:43 – “Comigo no paraíso”.
- Atos 7:59 – o espírito e a alma são “recebidos” pelo Senhor.
- 2 Coríntios 5:8 – “presentes com o Senhor” (AIBB).
- Filipenses 1:23 – “com Cristo... é ainda muito melhor.”
Note que em conexão com este
estado feliz de crentes que partiram, Paulo não diz apenas que é “bem melhor”, como traduzido na KJV,
mas “muito melhor”, como na
Tradução de W. Kelly, ou “muitíssimo
melhor”, como na Tradução J. N. Darby. Note também que ao estabelecer o
fato de que o estado dos crentes que partiram é melhor do que qualquer coisa que pudéssemos
experimentar enquanto estivermos aqui na Terra em nossos corpos, ele é
cuidadoso em não dizer que é o melhor.
Isto é porque é de fato melhor, mas
não é o melhor. Há algo esperando o
crente que é ainda maior do que partir para estar com Cristo por meio da morte
– é estar com e como Cristo no estado glorificado (Fp 3:21). Isto é o melhor de
tudo! Isto, como sabemos, não ocorrerá até que o Senhor nos chame ao lar
no Arrebatamento, quando os
mortos em Cristo e os santos vivos serão glorificados juntamente (1 Ts 4:16-17;
Hb 11:40).
“Partir para estar com Cristo” é uma afirmação que se refere ao estado
intermediário ou “despido” dos
crentes que partiram (2 Co 5:4); não está
falando de sua condição final de glória. Muitos entenderam mal isso e pensaram
estar se referindo à partida do crente para estar com o Senhor em Sua vinda (o
Arrebatamento). Mas o assunto aqui é claramente o de estar com o Senhor por
meio da morte, não do Arrebatamento. Assim, os santos que partiram estão
presentemente “com Cristo”, mas ainda não estão em glória. Isso pode
soar estranho para alguns que têm a ideia errônea de que a glória é sinônima de
céu – uma antiga ideia dos Reformadores. Para eles, parece que estamos dizendo
que os santos falecidos não estão no céu. Contudo, a glória em referência aos
crentes é uma condição (1 Co 15:43,
etc.), não um lugar no céu onde os crentes vão quando morrem. Os santos que
partiram estão com Cristo no paraíso, no céu, em um estado de felicidade
indescritível, mas eles não estão em glória – isto é, ainda não estão
glorificados. Essa condição aguarda a ressurreição deles. J. N. Darby disse: “O
estado intermediário, então, não é glória (pois devemos esperar pelo corpo. Ele
será ressuscitado em glória; O Senhor mudará nossos corpos e os tornará como
Seu corpo glorioso)” (Collected Writings
of J. N. Darby, vol. 31, pág. 185).
Vs.
24-26 – Paulo reconheceu que permanecer na Terra seria mais benéfico para o
progresso espiritual dos santos e, da maneira não egoísta, diz: “Mas julgo
mais necessário, por amor de vós, ficar na carne; E, tendo esta confiança, sei
que ficarei, e permanecerei com todos vós para proveito vosso e gozo da fé;
Para que a vossa glória [regozijo] abunde por mim em
Cristo Jesus, pela minha nova ida a vós”. Não podemos
deixar de ficar impressionados com isto. Ele não pensou em seu próprio conforto
e no que preferiria, mas no que seria melhor para a causa de Cristo neste mundo
e do progresso espiritual dos santos. Este, novamente, é um estado Cristão
normal.
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